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Só não desencalhava quem queria ficar pra titia

Eu reconhecia o seu cheiro pontualmente às sete horas da manhã, quando passava pela minha calçada, brincando com os funcionários que acabavam de chegar. Era a Dona Ana, Santina, Buru, Malaquias, Zé Arigó, Seu Moacyr, Deise, Nair... Tinha um imenso carinho por cada um deles, abraçando- os como se fossem parentes, daqueles que a gente ama de paixão. E, da porta da fábrica, com uma caneca de leite com café e um pão com queijo,  ele me mandava beijos estralados no ar: “Bom dia, querida!”. Durante anos foi assim. Eu sempre virava o rosto, fingindo ignorar, mas por dentro sorria de felicidade, respondendo muda: “Pra você também, meu amor.”
Eu inventava que tinha vários namorados, com nomes e sobrenomes importantes. Quem poderia duvidar? Que já tinha até beijado de língua, fazendo- o se corroer de ciúmes. Ele ia direto contar para a minha mãe, bufando de raiva: “Tá louco, esta menina é um demônio de saia, Dona Maria. Não tem compostura!”.
No mês de junho, nos reuníamos para comemorar as festas juninas e organizávamos o famoso Concurso Internacional  de Dança de Quadrilha, com noivos malucos e padres assanhados. Tinha também barracas de bolo de fubá, pinhão, canjica e pipoca. Era a maior agitação, porque as pessoas das outras ruas nos visitavam, e a festa ia até de madrugada. Só não desencalhava quem queria ficar pra titia.


                          
      Namoro em família

Ele tinha uma noiva muito estranha e  então só para fazer pick comecei a namorar de verdade com um thotho  que mais parecia um cofrinho coin-coin.Tinha banha até no branco do olho.Morria de desgosto e me mordia de raiva todas ás vezes que aparecia com aquele topete turbinado.O namoro já  estava fazendo Bodas de Ouro e  nunca havíamos nos beijado.Só na testa.Eu precisava dele para esquecer o outro.Quando apontava na rua com o seu carro velho , segurando a porta numa mão e o pneu no pescoço, Fábio aparecia do nada feito uma assombração.
- Quem é você?
- Sou o namorado da Silmara.
- Ah, até que enfim ela desencalhou. Pô, vamos dar uma volta nós três? Entra ai, Silmara.VAMO chupar um sorvete .O seu namorado paga, não paga? Sabe, sou irmão de criação dela e a tia Maria só deixa a Silmarinha namorar comigo junto, entendeu, né?
Todos as noites saíamos para Paes de Barros e nunca consegui ser beijada pelo meu namorado porque o Fábio ficava de vela.
- Você não se incomoda, não né? É costume familiar.
- Tudo bem, Fábio.Você vai querer o sorvete com cobertura?
De repente lá estava ele no horário certinho,esperando o boneco engomado aparecer.
- Demorei no banho.O nosso namorado já chegou?
- Deixa de ser intrometido, garoto.
- Nossaaaa, ele tá atrasado, hein? Será que ele não vem?
Virei o rosto balançando o pé.
- Ele já te beijou na boca?? Responde, sua...sua...descarada.- riu
- Como assim?
- Assim, ó!
Nisso num gesto rápido puxou o meu pescoço com força e arrancou um bife do meu beiço.
Peguei a vassoura lhe tascando a testa:
- Someeeeeee! Encosto.Você não é nada perto dele.É fumeta, brega, pegajoso!Sanguessuga!
Nisso abaixou os olhos, sério:
- Tá certo.Então fica com ele.Vai lá.É todo seu.Devora aquele bolo de fubá com unhas e dentes, minha filha.Tô fora.Tô de saco cheio de você!
Virou as costas e foi embora.Não apareceu mais.Procurei por todos os cantos, mas ele não vinha. Teria que namorar sozinha e assim eu não sabia. Estávamos só eu e o meu namorado, mas faltava o meu marido.
Fábio sumiu por quase um mês. Não aparecia nem para trabalhar.Numa noite de sexta-feira resolvi lhe procurar no colégio onde estudava.Eu queria vê-lo só para  ter a certeza de que ainda existia.Que não era apenas uma alucinação. Entrei em  quase todas as salas do colégio Plínio Barreto e percorri corredores sem fim. Sentei-me numa carteira velha e chorei feito uma criança mimada que sabia ter perdido o seu doce preferido! Vou atrás dele? Espero a sua volta? E agora? Então cansei de lhe esperar na soleira da porta e fui até a sua casa, morta de vergonha. Nem toquei a companhia.Subi os degraus em rumo ao seu quarto no maior desespero.Eu sentia uma necessidade física em tê-lo perto de mim.Precisava sentir que estava comigo. Parei na porta  ofegando de  ansiedade e  depois de tanto tempo perdido nos encontramos novamente.Ele apenas sorriu.
- Estava pensando em você agora, Silmara.
Caminhei alguns passos e sorri também.
- Saudades de você, Fábio. Onde você  táva? Quase morri. Nunca mais apareceu, caramba! Você é louco? Por que fez isto? Falaaaa...
Pulei em cima do seu peito esmurrando o seu rosto com fúria:
- Seu filho da mãe! Porque me deixou? Raiva de você! Não me abandona nunca mais, ta ouvindo?? Eu só tenho você.
Rolamos no assoalho e ele gemia no meu ouvido:
- Desmancha esse namoro ridículo, Silmara. Fica comigo!
- Eu preciso de alguém ao meu lado. Alguém que me faça feliz! Que me aceite como eu realmente sou... um nada! Eu não sei nem que é o meu pai...- lhe disse.
- Isso não me importa.Casa comigo!Eu te amo tanto, tanto... - Silmara, a gente precisa ser feliz agora. Amanhã já é tarde demais.Alguma coisa de muito ruim vai acontecer...Eu sei disto! Jura pra mim que se aparecer outro melhor do que eu, você não vai me deixar. Eu tenho medo! O destino é traiçoeiro.Eu também sentia muito medo e ficamos abraçadinhos.

 

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