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                                       A cinderela do galinheiro


Durante o ano todo eu era a “gata borralheira”, mas me transformava em uma Cinderela “chique e poderosa” na noite de Natal, porque a minha prima Regina, filha da minha inteligentíssima tia Nídia, tinha uma casa super produzida no bairro do Morumbi, e toda a família se confraternizava ao som do violino de tio Nunu ( falecido em novembro de 2012), aguardando o poderoso Papai Noel deixar os presentes no salão de festas.
Depois que compraram uma fazenda gloriosa em Pardinho eu só passava as férias escolares com eles, desfilando por alqueires sem fim, montada em uma egüinha pocotó com um par de botas de couro. Que saudades daquele tempo!
Eu parecia a Rainha da Sucata, posando para as fotos com um sombreiro enlatado na cabeça, fingindo ser a “proprietária do estabelecimento”.Era louca pelo meu primo Marcelo, mas conseguia colocá-lo no chinelo porque sabia que na verdade eu era uma farsa.
Com dez anos, ganhei dele a minha primeira boneca Susi, a lenda; ela tinha cara de tarada e um par de peitos de silicone. Todas as meninas da minha  classe também tinham peitos enormes e empinavam suas turbinas para o céu, menos eu. Parecia uma tábua de bater bife, toda seca e esturricada. Colocava enchimentos debaixo da blusa para dar volume, e quando descobriram, deram uma bicuda nos meus peitos de pano de prato, sendo humilhada e apedrejada em praça pública.
Não tinha amigos. Não podia tê-los, porque vivia fugindo de todos pelos esgotos da cidade. Sentia calafrios só de pensar que poderiam descobrir que o meu castelo dourado não passava de um barracão de zinco. Então optei pela vida secreta, solitária, sigilosa, enclausurada, quase zen, aderindo ao estilo Dalai Lama!
Arrumei um caderno de capa dura em que inventava personagens birutas, viajando com eles nas asas da imaginação. Eu comecei a criar estórias para fugir da realidade. Tudo era possível, desde que me fizessem sumir para bem longe daquele cortiço minguado e desnutrido, que não combinava nem um pouco com os meus sonhos de menina.
Até que numa noite chuvosa e maravilhosa minha mãe chuchou o miolo do pão na sopa, dizendo claramente que teríamos de nos mudar dali.
A casa não oferecia nenhum tipo de conforto e eu já era uma mocinha desengonçada, que não entrava na própria bacia de alumínio...Yes! Boa garota! – vibrei de felicidade.
No mês seguinte, já estávamos de mudança para uma vila de descendentes de italianos, Rua Francisco Retti, no Alto da Mooca. Ali sim era o meu lugar cativo, e a “minha gente” alegre, bonita e hospitaleira estava nos aguardando ansiosa na soleira da porta!
A nossa entrada foi triunfal, com direito a uma geladeira sem pé; TV em branco e preto, com um chumaço de palha de aço na antena; máquina de costura Singer e isto tudo era só um detalhe, meu bem. O mais importante era que naquela casa humilde tinha uma coisinha linda piscando para nós, que se chamava chuveiro.          
Pulei de alegria, abraçando os meus pais. Tinha certeza que fariam aquele sacrifício por mim. Seriam noites varadas na máquina de costura Singer e mil horas extras na portaria da gráfica, mas tudo por um motivo justo. Em pouco tempo, começamos a prosperar e formávamos uma família simples, porém feliz. Amigos não me faltavam, e a molecada gritava o meu nome o dia inteiro. Até o papagaio Lorys Lay chamava por mim... A minha turma mascava chicletes Ploc, tomava ki-suquinho de groselha, usava tênis Bamba e empinava  pipa trepada na laje. Nos reuníamos desde cedo em frente ao meu  portão para as fofocas, as paqueras, as últimas notícias do bairro, o banho de mangueira, a guerrinha de tomate podre e para contar piadas de sogra.


 

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