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Não se esqueça de mim!

E aí, tudo bem? Muito prazer, o meu nome é TOMPSOM GLOSS PLUS II, morador antigo das profundezas do Tocantins e mais conhecido como o “Pavão Misterioso da Meia-noite”. Sou loiro pardo, ligeiramente “malhado de ruivo” e de pele negra; uma mistura caiçara de homem com mulher, de peixe  com grilo, de agrião com samambaia... Uma loucura!
Acho que você não está entendendo nada, mas é que vivo mascarado e
não quero me identificar. Na verdade, eu tenho um problema de saúde assim assado e não gosto de ficar falando sobre isso. Nada do sei interesse.E você está me olhando por quê? Alguém já comentou alguma coisa sobre mim??!.
Dizem as más línguas que guardo um segredo jurado e sacramentado a sete chaves, porém, garanto que é tudo fofoca e “blablablá”... Êpa, pode parar! Isso não é gente. É um “chupa-cabra em noite de lua cheia”.
Eu poderia ficar anos tentando me camuflar atrás desse papo embolado, mas vamos voltar a fita e falar a real, sem mistério, porque na verdade não estamos na CPI do Bingo...
E aí, tudo bem? Muito prazer. O meu nome é outro, o CPF é tal e sou portadora do RG..., digo, do vírus HIV. Não uso peruca da boneca “Barbie para disfarçar o indisfarçável e tampouco pretendo aparecer de costas, com um saco de pão na cabeça e aquela voz mecânica de pato rouco, como  se fosse o diretor-executivo do PCC (Primeiro Comando da Capital). Tenho  corpo, alma e cara. Não sou apenas um vulto, uma sombra ou uma silhueta enfumaçada. Sou gente, de carne e osso. Acima de tudo cidadã, com direitos e deveres, como você.
Relaxe! Não precisa se assustar. Menos, né? As grandes epidemias fazem parte da história da Humanidade e já tivemos muitas outras, portanto  não sou a mocinha, nem a bandida desta história. Eu sou eu. Firme e forte, como geléia, sem medo de ser feliz.
Esta é a segunda vez que a pandemia de uma doença transmitida sexualmente assusta a Humanidade. A primeira doença foi a sífilis, que surgiu na Europa logo depois do descobrimento da América, e passaram-se quase  500 anos para que o primeiro remédio eficaz aparecesse. É importante  lembrar que muitas das besteiras que ouvimos hoje a respeito da Aids eram parte do discurso daquele tempo sobre a sífilis, do tipo: “ é um castigo de Deus para acabar com a esbórnia”, “bem-feito para esses pecadores, que devem ser consumidos fulminantemente pelo ataque dos vírus assassinos”, e bibibi bobobó... Mas comigo tento fazer diferente. Não me considero vítima de nada, nem vivo como se carregasse o peso do mundo sobre os ombros, “com lágrimas de cebola escorrendo pelo rosto sofrido e massacrado pelo preconceito social”. Poupe-me dessa novela mexicana; meu codinome não  é  “acorrentada”!
Sou casada, tenho 40 e poucos anos, três filhos e um netinho lindo chamado Davi; e a minha cabeça está sempre ocupada com novos projetos. Tenho sonhos, desejos e esperança, só que corro atrás. Não poso de estátua aguardando  que neste exato momento algum cientista iluminado descubra no ar a cura da Aids e me envie por Sedex ainda hoje. Não vivo em função disso. A fila anda e, para as dificuldades da vida, tento distribuir senhas: “Calma. Uma de cada vez. Agora a próxima... Ufa!”
Algumas gerações têm muita sorte, porque herdam os resultados de lutas que gerações passadas empreenderam. A Ciência está em evolução constante, e hoje temos recursos que algum tempo atrás eram apenas utopia. É assim que funciona o Universo.
Deus não desampara ninguém, e as coisas acontecem; os braços se abraçam, o amor acalenta... e a carruagem passa majestosa e soberana no meio da escuridão. No fim tudo dá certo. E, se não deu, é porque ainda não chegou  o final.
É claro que eu também fico triste, choro e muitas vezes me descabelo...
Faz parte! Não conheço ninguém neste mundo que gargalhe 24 horas por dia. Só se pirou, coitado!
A pressão é “porreta”. Primeiro porque ninguém vive para morrer e, na cabeça de muita gente, Aids significa o fim. Dificilmente nos aceitamos como um “produto perecível”, que um dia “vai pro saco”. Todo mundo vai. Desde o começo do mundo é assim que funciona, mas ainda não nos conformamos. Vivemos como que se fôssemos eternos, sem prazo de validade. Sinto muito em dizer: um dia eu NÃO estarei mais entre vós, e nem você, colega.Só que a Aids também é uma doença de grande efeito psicológico, e esse detalhe derruba qualquer caboclo, porque apenas nos damos conta da sua  existência quando ela se materializa, feito um curupira, quase nos matando  de susto. E aí é um terror! Não deixa pedra sobre pedra, e o mais macho dos machos mija nas calças. Ela é poderosa e traiçoeira; tem por prazer nos deixar frágeis, vulneráveis e completamente pelados diante das nossas verdades. E num piscar de olhos arranca todas as máscaras da hipocrisia, do falso-moralismo e da arrogância social, pois não se faz de tímida e costuma mostrar a cara na cara de ricos ou pobres. Brancos, amarelos, mulatos, negros, listrados... Dourados!
É uma pandemia. Preste atenção: pandemia é muito mais do que epidemia. Somos aproximadamente 40 milhões de infectados. Portanto, a Aids existe, e não podemos ignorar essa realidade. NÃO viva como se não fosse com você. A verdade é outra, e temos de encarar os nossos tabus.Nesta altura da conversa você deve estar só mexendo os olhinhos, procurando em mim algum vestígio estranho. Pode pesquisar, preconceituoso!
Nunca fui “mulher da vida”, não tenho “cara de travesti”, não sou drogada... Não tenho tatuagens. Não sou GLS, ou seja, lésbica, gay ou simpatizante. Nunca fui figurante em filme pornô. Não sou dona de boate. Infelizmente, não tenho um Ricardão trancafiado dentro do armário. Nunca transei com um cavalo. Não uso piercing na virilha. Não fumo, não cheiro e só bebo Tubaína. Como assim?! Não gosto de usar nada que me tire a lucidez. Nem um gole de cerveja, nada.
Na verdade, faço parte da “geração saúde”. Saúde, mesmo com Aids.
Satisfeito? Sou dona de casa, mãe de família, boa samaritana e completamente “careta”. Aliás, muito “careta”! Quase uma noviça voadora. Nos tempos atuais, com base na Ciência e na razão, não tem sentido ainda ver a Aids como um castigo vindo dos céus. É uma doença transmitida por um vírus, e ponto. Estamos no ano de 2012, e até este exato momento ainda não existe alguém imune a ela; então, qualquer pessoa viva está sujeita a se infectar... inclusive
VOCÊ, chuchu  beleza!
A teoria de que Aids é coisa de quem tem culpa no cartório já era. Não existe mais grupo de risco. O que existe é situação de risco. Se você compartilha agulhas e seringas injetáveis ou costuma transar sem camisinha, mesmo que seja com aquela “aparição sacrossanta” da sua prima da roça, cuidado: você ainda pode ter uma grande surpresa!
Procure se reciclar, revendo os seus conceitos, porque a Aids não tem preconceito. Vovozinha também pode pegar; criança bonita, mocinho sarado... Paupérrimo e riquíssimo, porque ela é uma doença muito liberal.
E, se depois de todo o cuidado do mundo, você ficar cara a cara com um  resultado POSITIVO, sem estresse, aconteceu! Nada de pânico, senão é capaz de você morrer do coração antes da hora, de ter um pife-pafe e cair duro! Isso não significa, é claro, que vai pular de alegria, gritando: “Viva, fui contaminado! Que sorte, como estou feliz!”
A vida continua, belíssimo. O mundo não vai paralisar porque você está com o vírus HIV. Aliás, não vai fazer diferença para muita gente: Bush, Madonna, Bin Laden e o próprio papa nem se incomodarão com isso. Quem gosta de você vai continuar gostando do mesmo jeito. Os amigos de verdade ficam. O que é sólido  balança, mas não cai. Mãe continua sendo mãe e filhos, um dia, compreendem. Porque você é muito mais do que um vírus. Nem que seja um quilo deles. Você é um ser humano inteligente e capaz de produzir maravilhas! Essa novela também aconteceu comigo, com fulano, beltrano, e ninguém merece ser somente a vítima ou o vilão desse enredo..

 

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