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Piração na madrugada

Estava com a cara toda ralada e meu pai queria saber o motivo daquela palhaçada toda até que ele me chamou envergonhado.Fiz carinha de vítima, quase muda com uma pedra de gelo no olho.
- Eu te machuquei? Você me perdoa?
Abaixei os olhos, triste.
- Eu perdi o controle. Te trato assim porque ...porque na verdade queria ficar com você, mas não posso fazer mal para uma menina tão bacana.
Bummm, nisso acabou a luz e pulei no seu peito.
- Tenho medo do escuro. Fica quieto e me abraça.
Sua mão acariciou o meu rosto com agressividade. Ele não tinha jeito.Tinha pegada!
- Você transa com ela, né? Pelo menos pensa em mim naquela hora?
- Claro que não.Você é minha irmãzinha.
- Antes você dizia que eu era a mãe dos seus filhos, lembra?
- Agora a história é outra.Eu não posso ter filhos.O meu sangue é podre.
- Não fala assim...
- Eu não sou moço pra você e nunca vou te violar.Prefiro entregar você ao meu melhor amigo...
- Então jura.Jura que você tem essa coragem.(Eu não quero ficar falada como minha mãe)...
- Eu juro que faço qualquer coisa pra te ver feliz.
Sentei-me no seu colo e ficamos ali escondidinhos atrás do poste.
           
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Ficamos dias sem nos falar.Ele não desgrudava da outra boneca e eu sofria calada.Eles transavam em qualquer beco a luz do dia.Os dois faziam a moita pular longe! Passou por mim sacudindo a calça.
- Seu porco! – murmurei- Nossa, você é muito nojento! Tarado, promíscuo! Cheira lixo!
Saiu da fábrica com a faca na mão:
- Vou tosar o beiço desta nega. Se ela abrir mais esta boca de caçapa eu vou tirar um palmo de couro dela.
Todo mundo se rachava ao meio de tanto rir.
- Nossa, ela ta toda borrada.Prefiro ficar com qualquer uma menos com você, sua donzela de araque!
- Acabou seu showzinho, palhação?
- Ah, sua fedida! Ela é louca pra ficar comigo, mas dispenso na lata.Tem bigode na cara.
Levantei-me, virando as costas. Ele pegou a bola de basquete e mirou bem no meio da minha cabeça, me rachando ao meio de pura sacanagem! O meu rebolado até tremeu.
                 
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Como você pode perceber, Fábio tinha um comportamento sádico e demorei algum tempo para tentar por um freio naquela encenação. Ele era completamente estranho e eu estava indo no mesmo embalo.Fui cansando de tanta baboseira e buscava novas sensações.
Conheci outro moço que tinha acabado de sair da cadeia e de repente me apaixonei por ele porque era romântico e eu vivia a procura de alguém que me fizesse feliz. A minha situação com o Fábio era estressante e recheada de olho roxo, mordida no nariz, chupada na bochecha, chute na canela, gravata no pescoço...Uma relação  doentia e psicótica ! Eu não era mais moleque e queria carinho, caramba!

O outro passou a ser meu melhor amigo e ficávamos lendo gibi na calçada de casa.Fábio pediu que me chamassem para lhe acompanhar no psicólogo.Pela primeira vez disse que não ia e pronto.
- Cansei. Fala pra ele que já tenho compromisso.
Não se conformou aparecendo no canto do muro:
- Vamo comigo, vai. - piscou um olho- Te pago um doce.
- Nem morta. Agora eu tô namorando.
Fez careta com a boca e voltou após uma hora com roupa nova. Eu estava com o meu LOVE  tomando um refresco no barzinho do clube. Veio com tudo e sentou-se ao meu lado:
- Dispensa esse entulho. - sussurrava.- Ele é frouxo.
- Duvido você falar assim dele, bem alto.
Sorriu . A minha vingança veio a galope:
- Nossa, o Fábio ta se coçando todo só para falar uma coisa...Fala, Fabião.Desabafa logo, se você for homem.- pisquei o olho.
Encarou-me com muita raiva, sorrindo fingido:
- É que eu quero fazer um brinde em homenagem ao novo casal. Vivaaa! Que a felicidade reine entre vocês. A Silmarinha merece!Ela nunca namorou. Sabe como é; perna seca, magra demais,sem atrativos, com olheira...Ninguém merece.Só você.Só você para prestigiar alguém assim.Parabéns pela coragem.
Engasguei de tanto rir. Nem esperou que terminássemos o petisco e foi até o dono do bar que era um baita gordo e só sei que comentou com o cara que o meu pretendente estava rindo dele. Como assim? O pequeno armário apareceu do nada e com a frigideira na mão:
- Então é você que falou por aí que sou a maior frangona, né?
Nisso os dois começaram a se estranhar. Fábio me puxou para fora do bar assim que a briga ferveu o caneco.
- Seu namorado é muito maloqueiro mesmo. E corajoso, hein? Onde já se viu falar assim de um cara daquele tamanho? Eu, hein! Ele não tinha te beijado, né?
- Não foi desta vez.Você chegou a tempo.
E saímos na maior correria, rindo daquele desfecho infeliz com a boca entupida de salgadinho de queijo.

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Todas as madrugadas ele me chamava pela frestinha da janela e eu fugia de casa escorregando o corpo magro e esguio pela grade quebrada.Caminhávamos de mãos dadas até o clube porque  ninguém podia nos ver.A cidade se derretia aos nossos pés e eu me sentia como a continuação da sua própria carne.Esquecíamos as diferenças e nos beijamos de língua.Lambeu todo o meu rosto numa meleca nojenta.Enquanto me balançava, ríamos bem alto como duas assombrações.
- Quero lhe falar uma coisa, Fábio.
Iria dizer que o amava.
- Não diga nada. Apenas sinta!
Tapou a minha boca com a sua.

“ Gato, a vida não se resume em sorrisos faceiros e em beijos estralados.Aprenda a construir o próprio telhado para que no inverno não padeça de frio”.

Na volta fizemos um caminho mais longo. Eu estava de pijama com um casaco por cima, gorro e chinelo de dedo com meia de lã.
- Você se lembra quando fui internado? E que você tentou me avisar.
- Esquece. Você vai conseguir superar isso.
Encostei a cabeça no seu ombro, bocejando de sono. Quatro horas da manhã.Precisava voltar logo antes que meu pai levantasse para o trabalho.O despertador tocava ás cinco em ponto.Droga!
- A gente não vai ter um final feliz, Silmara. Eu não namoro ninguém porque a única pessoa que mexe comigo é você. E no entanto é a única que eu não posso ter para mim.
Comecei a chorar. Solucei alto.
- Não chora. Você vai ser muito feliz.Tem um cara legal que vai conhecer...casar...ter filhos...Curtir a vida numa boa.
- Paaara! você é cansativo! Não fala assim..Eu nunca vou ficar com outro cara na minha vida!
De repente me pegou no colo e me tacou no chão gelado. Te queria sem pressa e sem medo, na loucura de um dia qualquer me entregar! Mas não foi daquela vez porque o guarda noturno passou por nós, apitando de inveja. Me perdoa este jeito cigano de partir sempre antes da hora!
                      
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Vesti uma camisolinha rala, roxa de frio, e me despedi dos meus pais dizendo estar com muito sono.

- Boa noite, fam´lia!

Boa noite o caramba! Tranquei a porta com um cadeado e ainda arrastei o guarda-roupa para garantir privacidade. Onze horas.Onze e meia.Nisso um miado fraco, xoxô , sem vida.
- Miauuuu!
- Entra gato raquítico! Tá morto, hein meu filho?
- Morto eu vou estar se o seu pai aparecer, minha “fia”.
Tirei um pacote de bolacha de dentro da fronha. Rebolou miudinho pra conseguir passar no buraco da janela e ai entalou.
- Precisa emagrecer, meu gatinho obeso! Sua bunda é enorme parece uma bola de bolixe.
Então ele não passava mais dali. Sua bunda não subia e nem descia.
- Af! Ferrou. - cochichei – E agora?
Enfiei as bolachas na sua boca e ficamos grudadinhos na maior fofoca.A sua mão boba tentava buzinar os meus peitos, mas eu não deixava e lhe preguei um bifete na cara.

- Só quando eu for sua mulher jurada e sacramentada pelos documentos da lei!

- Eu nunca, né? Não vou me casar!

E bati a janela na sua cara.

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Eu papiava com um amigo da escola no maior tererê para lhe fazer ciúmes, porque ele ainda namorava com a outra em casa. Fábio colou na nossa. Minhas pernas tremeram e fiz cara de brava mandando o outro embora.
Quando fui segurar a gola da sua camiseta, me empurrou.
- Desculpa, era brincadeira.

- Brincadeira??!!?Você ia beijar a boca daquele cara!

- Eu não ia beijar aquele cara...
- Vai brincar com gente da sua idade.Tenho nojo de você.- me empurrou longe.
Nem me tocou.Tentei lhe abraçar.
- Conta alguma coisa pra gente rir.Uma fofoquinha, sei lá...
- Não sou palhaço.Só de fofoca não se vive.
- Fica comigo.Eu quero ser sua, de verdade.
- Quanta vulgaridade! Tô sem tempo. Guarda a sua coisinha numa caixa de papelão e dê pros teus amigos de presente, falô? Ou  faz uma rifa, quem sabe rende?
Rachavamos o pau durante o dia e me chupava o pescoço durante a noite.Quanta confusão!

 

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