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O passado me condena

 


 

    Para ser franca eu nunca fui uma pessoa letrada e o meu apelido de infância era cabeça de bagre porque detestava ler e só falava abobrinha. O barato mesmo era inventar histórias. As pessoas diziam que eu era biruta e um tanto mentirosa. E para a minha sorte hoje sei que tudo era culpa da minha imaginação fértil.

Passava horas sem fim buscando criar o texto perfeito, escrevendo em folhas de caderno ou sulfite com caneta azul.Não podia errar e quando isso acontecia, precisava escrever tudo de novo.Ficava nervosa e chorava de raiva! Desde aquela época tenho um ritual personalizado  que sigo até hoje; após a escrita, leio e releio a história atenta para que haja efeito sonoro, porque a linguagem precisa ser poética.Não repito palavras na mesma linha e dificilmente finalizo um texto com um verbo; sempre com um adjetivo.Sou excêntrica e tenho costumes literários que não revelo a ninguém.Meus cadernos escolares, principalmente os de português, eram livros prestes a serem publicados.Eu numerava e ilustrava as páginas, acrescentava capítulos, tópicos, prefácio, agradecimentos e  deixava um espaço em branco para o nome da futura editora.As professoras achavam uma coisa de louco! Meus textos ficavam expostos no mural e eu interpretava cada um deles durante o recreio. Depois devorava a merenda escolar em quatro a cinco canecos de sopa, justificando que precisava de um reforço extra! Era hilária! Só tinha um grande defeito: não gostava de ler. Alguns livros me cansavam e eu desistia fácil. Queria ser uma escritora popular.
- O escritor que não consegue ser compreendido pelas pessoas mais simples é completamente mudo!
Ninguém nem dava pelota para os meus discursos  debilóides  e quando conheci as obras de Monteiro Lobato me encantei.
- Taí, esse é o cara!
Aos doze anos de idade eu estudava na Escola Estadual Plínio Barreto, no Alto da Mooca e a pedido da professora Dione, de português, escrevi uma redação com tema livre. Ela era muito exigente e fez um suspense danado para me devolver a obra sem nota, querendo saber daonde eu tinha copiado tal história. Timidamente murmurei que eu havia inventado tudo aquilo e que quando crescesse seria uma escritora. Sem dizer uma palavra devolveu-me a folha de caderno com um lindo e maravilhoso DEZ no canto da página.Nunca mais nos vimos.Após tanto tempo reencontrei a  querida professora num site de relacionamento e ela lembrou-se de mim, principalmente quando lhe enviei  de presente o exemplar do livro Flash, você sabe o que eu tenho?- lhe fazendo uma dedicatória muito especial.E para não chorar de emoção nesse momento “so love” , vamos retornar ao contexto do texto.

Escrevi minha primeira obra bombástica aos quinze anos de idade. Estava de férias na casa da minha tia Dirce, na cidade de Valentim Gentil, quando acordei de madrugada com um roteiro maluco na cabeça.As idéias não paravam de surgir e rapidamente apanhei um caderno na estante da sala e no dia seguinte já estava no meio do livro.Era uma história de um duende chamado Hapiá que eu acreditava ser meu amiguinho invisível.


Foi uma coisa mágica e só pude sentir alívio quando assinei no rodapé do último capítulo.A minha fama de biruta começou ali.Fui tomada por uma tempestade de inspiração e criei mais de 20 poemas um atrás do outro.De repente essa “doidera” passou e por mais que tentasse pregar uma vírgula, me sentia enojada e não conseguia escrever um versinho que rimasse “calção com bundão”!
Até hoje é assim. Pressinto esta fase literária porque começo a ter insônia e as palavras brotam a milhão na mente e na minha boca, consumindo todo o meu tempo porque passo a viver para isto. Durmo mal, não me alimento direito, quase não falo com ninguém e nem atendo telefone.Namorar? Nem pensar. Serginho faz tudo pra mim e ainda me leva um monte de baboseira para beliscar enquanto escrevo.Ele cozinha muito bem e o rango é por sua “livre e espontânea” vontade e responsabilidade porque entende que preciso ser rápida no teclado para acompanhar o raciocínio, senão me perco  na curva e aí bau-bau! Não tem passeio de domingo e nem almoço na casa da minha mãe. Eu emberno literalmente junto com eles. Só saio para trabalhar e viro o final de semana com o mesmo pijaminha xadrez  que foi do meu pai, a toca de lã e o par de luvas para não congelar os dedos.
É assim que escrevo desvairadamente, até que alguém lá de casa resolve esconder o cabo de conexão, me poupando de ficar mais de 15 horas “catando milho” com aquela olheira tradicional. Então faço um alongamento rápido, devoro uma caixa de chocolate e antes mesmo de reclamar o ocorrido, durmo sentada em frente ao computador velho, sem teclas e todo arranhado.Que humilhante para um ser humano!! Mas agradeço a Deus por me dar essa abençoada inspiração, que para mim é minha fonte de energia, de saúde e de alegria! AMÉM!




                   
 

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