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           O meu coquetel  pira o cabeção! @#%&

Busco na Ciência o meu apoio. E em DEUS o meu refúgio. Acho importante ter uma religião, mas sem fanatismo. Nos tempos atuais, precisamos manter um equilíbrio entre a Ciência e a espiritualidade. A Aids ainda não tem cura, portanto, se alguém disser o contrário, está enganado.
Maria Joana era a minha conexão com o meu novo mundo. Deitava a cabeça no seu colo, bombardeando-a com muitas perguntas idiotas: “Vou morrer logo? Vou sentir dor? Vou ficar magrela? Vão cair meus cabelos? Posso trabalhar? Posso tomar sorvete? Posso transar?”
E ela respondia tudo com a maior paciência do mundo, compreendendo as minhas mudanças de humor. Depois, eu ia embora, sentindo-me aliviada, pronta para um recomeço. Procurar ajuda é fundamental para nos sentirmos esclarecidos e amparados. A minha paranóia era saber se morreria logo. No fim do dia, da semana ou do ano... Mas quem poderia responder? Nem um pai-de-santo “porreta” teria tamanha convicção. Então, é cantar para subir!
Existem pessoas que convivem com o vírus HIV há mais de 15 anos, mas são coradinhas e fortinhas. Não tem mistério: a adesão ao tratamento é uma atitude inteligente e uma declaração de amor à vida. Aderir é muito mais do que tomar os remédios no horário certo; é você adquirir hábitos saudáveis e prazerosos, adotando uma nova postura diante de si mesmo. No mundo,
existem pessoas intensamente vivas e outras intensamente mortas em vida... Quem é você?
Com a introdução da terapia anti-retroviral combinada, ou seja, o coquetel, a adesão ao tratamento tornou-se fundamental. E o que é adesão? É como se fosse um “casamento” entre o paciente, o médico e a equipe de apoio. Opa, que “mexidinho” é esse? Em um sentido mais amplo, a adesão está vinculada aos aspectos relacionados com a qualidade de vida, envolvendo
também a regularidade nas consultas, a freqüência na realização dos exames, os cuidados com a alimentação e a higiene, o conhecimento e a aceitação da doença. É você participar de todas as decisões tomadas, com interesse e responsabilidade.
O tratamento é seu, e não deve ser encarado como uma “mala sem alça”. Com os recursos que possuímos, é possível contornar as dificuldades e ter uma vida normal. A equipe de DST/Aids está do seu lado  assim como  diversas Ongs, contribuindo para que isso aconteça, só que 50% do sucesso do tratamento depende de você. Fazer “corpo mole”, ter chiliques eternos, dar uma de rebelde com direito a birrinha, não ajuda em nada. O vírus vai se tornando cada vez mais resistente, e o maior prejudicado é você mesmo. Os outros vão apenas se lastimar, e ponto!
Aderir não é apenas obedecer a orientações médicas, mas sim entendê-las, concordar com elas e segui-las corretamente. Não adianta o profissional fazer cara de bravo, dando aquela bronca “cavernosa”, do tipo: “Você tem que tomar os remédios... senão vai morrer! Você tem que contar para a sua família... Você é o culpado pelo aumento da sua carga viral.”
É preciso que haja flexibilidade, sensibilidade e tolerância. Como diz o velho ditado, “pimenta nos olhos dos outros é refresco”. O profissional precisa entender o paciente e dizer coisas como: “Não é fácil tomar corretamente tantos comprimidos assim, e é por isso que estou aqui, para juntos refletirmos sobre suas dificuldades, buscando alternativas para superá-las.”. Uma conversa “bacana” permite que você veja no profissional um aliado, pois sente que consegue compreendê-lo. Eu ainda acredito que o melhor remédio para se tomar os remédios é a interação do paciente com as verdades.
A Aids já é considerada uma doença crônica, mas ainda mata. Você tem duas opções: aderir ao tratamento e levar uma vida normal; ou jogar tudo para o alto, rezando com muita fé para que um iluminado descubra a cura o mais rápido possível. É preciso ter disciplina, ou seja, tomar os medicamentos no horário certo, não esquecer nenhuma dose e fazer os exames solicitados.
Participe das decisões referentes ao seu tratamento e interaja sempre que puder. Cabe a você cuidar do corpo e da mente, com atitudes otimistas em relação à sua saúde. Cabe ao seu médico e equipe proporcionarem um ambiente ético e acolhedor, no qual você possa expressar seus sentimentos, inseguranças e temores, sem se sentir julgado por isso. Devem ser verdadeiros e coerentes, respeitando religiões, valores e diferenças, e usar uma linguagem que possa ser compreendida pelo paciente. Afinal, aquele que dificulta a comunicação com palavras elaboradas e complexas pode ser um orador brilhante, mas, para muitas pessoas, é completamente mudo, não diz nada com nada!
O uso do coquetel alterou significativamente a história natural da doença, e isso permitiu avanços e melhorias, tais como:
— menor ocorrência de doenças oportunistas, progressão da doença mais lentamente, diminuição da mortalidade associada à Aids;
— melhoria na qualidade de vida, no resgate da vida afetiva, contribuição para a manutenção ou inclusão no mercado de trabalho;
— menor ausência no trabalho, além de redução significativa do número de internações;
— diminuição da possibilidade de transmissão de vírus resistente.
“Bacana”! Os diabéticos tomam a insulina, e os doentes de Aids, o coquetel.
O que muda? A teoria é óbvia, só que na prática tudo é diferente:
— não é “legal” tomar um saco de remédios por dia;
— não é gostoso tomar um saco de remédios várias vezes ao dia, por um
tempo indeterminado, pelo resto da vida, quem sabe;
— não é engraçado sentir um monte de efeitos colaterais, como vômito,
diarréia, dores de cabeça, às vezes febre;
— não é bonitinho ter lipodistrofia, como aumento de gorduras no abdome, corcunda de búfalo, afinamento nos braços e nas pernas, emagrecimento e envelhecimento precoce da face.
Ninguém gosta de tomar remédios. Não se fala: “Ah, hoje acordei com uma vontade enorme de tomar remédios... Quero tomar uns 20, só para matar as lombrigas!”. Só toma quem precisa. Se você, por indicação médica, vai começar o tratamento, pense positivamente. Que ele seja bem-vindo! Ali, naqueles frascos de comprimidos, estão depositados anos de pesquisa e
muita luta! Com certeza, muita gente morreu sonhando acordado com eles.
Eu sei que a teoria é uma beleza, mas que a prática deixa a desejar.
Sei também que não é fácil. Como sei! Ontem mesmo Fiquei triste várias vezes, e vou ficar outras tantas. Mil coisas passam pela minha cabeça, mas é preciso viver um dia de cada vez. Mesmo porque, todas as vezes em que você toma esses remédios, tem a plena certeza de que tem Aids, e isso não é uma coisa boa! Mas também isso não é motivo para você buscar a pior morte que existe: a morte social, ou seja, a exclusão, a solidão, a discriminação, o preconceito e a marginalização. Não permita que alguém faça isso com você. Reaja, lute e, se preciso for, denuncie. Eu passava em consulta médica de três em três meses, ia ao cinema, repetia os exames de CV e CD4, passeava no shopping, ficava alegre, depois triste e, quando acordava deprimida, pensando “Será que hoje é um bom dia para morrer?”, chorava feito louca, procurando algum sinal diferente no céu, tipo uma estrela cadente, para fazer um pedido: “Quero saúde!” Mesmo quando os dois possuem HIV, é importantíssimo usar a camisinha,
para que não haja troca de vírus.
Eu detestava usar preservativo, mas depois me acostumei, porque compreendi que estava cuidando de mim, de nós. Tínhamos projetos de vida e precisávamos estar bem para conquistarmos todos os nossos sonhos. Graças à fisioterapia e a muito esforço próprio, ele já estava correndo na praia. Ele “fez a lição de casa direitinho”, e parou até de fumar. Serginho me surpreendeu com sua determinação. Desde o começo, aderiu ao tratamento, numa boa. Aceitou a Aids como uma nova oportunidade de vida e conseguiu, com muita bravura, fazer renascer o que ainda tinha de melhor.
Faz aulas de musculação, para evitar a lipodistrofia, e de pintura, para encher a nossa casa de quadros lindos e cheios de vida. Com certeza, muita coisa se transformou de dentro para fora. Nós nos tornamos mais amigos, companheiros e cúmplices. Todos os dias, fazemos longas caminhadas na praia do “Pereca” e colocamos em pauta as nossas verdades. É preciso fazer
um balanço, pensando em todos os desafios superados e nos que ainda estão por vir. Fiquei quase um ano sem precisar do medicamento, como se o negócio não fosse comigo. Até que os meus exames de CD4 e CV vieram alterados e, pela cara do médico, percebi que minha hora havia chegado:
— Vamos entrar com os anti-retrovirais. Tudo bem?
— Dr., o que é isso?
— É o mesmo que coquetel. São os medicamentos que defendem o CD4
do ataque do HIV.
— Dr., eu estou no “bico do corvo”?
— Não, mas o seu organismo está precisando de uma ajuda extra, de uma força! Embora ainda não sejamos capazes de eliminar o vírus completamente do organismo, dando um “pontapé” nele, agora já temos condições de parar o seu crescimento e dificultar a sua ação. Preste atenção: para contaminar uma pessoa, o vírus da Aids (o famoso e temido HIV) precisa entrar em nossa corrente sangüínea.
— Entendi. Dentro de mim, começou a “Guerra dos mundos”... Tudo isso acontecendo e eu ali, na praça, dando milho aos pombos, como uma perfeita idiota!
— Calma! Agora a gente vai entrar em ação! Durante os primeiros anos, após a contaminação pelo HIV, a destruição causada pelo vírus não é suficiente para fazer com que o sistema imunológico da pessoa soropositiva perca a função. Para que a defesa do organismo fique seriamente comprometida, é preciso que muitas células CD4 sejam destruídas, e isso pode levar
alguns anos. Não existe: o remédio depois da caminhada, da chuva, do bolo... Nem sempre essas referências possuem horários fixos.
Não existe: “Hoje eu não quero tomar o azulzinho, no outro dia eu tomo”.
Nem tampouco: “Sinto que preciso dar um time com o meu medicamento”.
Baby, até segunda ordem, ele é forever! Quando passa muito tempo entre uma dose e a próxima, a concentração da droga no sangue diminui, ficando tão baixa que o vírus recomeça a se reproduzir.
— Que danado! Se a gente pisca o olho, ele vai lá e “craus”!
— O comprimido das 8 horas não é o das 9h40... Porque nesse pequeno intervalo o vírus já se reproduz feito louco. Convém usar um despertador ou deixar bilhetes na geladeira. Mas a experiência mostra que, depois de algum tempo, você se acostuma a tomar no horário certinho. Os primeiros casos de Aids foram divulgados em 1981, e a doença passou por diversos estágios
nas últimas décadas. Nos primeiros anos, mais precisamente a partir de 1987, as primeiras drogas que foram empregadas não produziram os efeitos necessários para a sobrevida daqueles que as utilizaram. Com o emprego da terapia anti-retroviral no esquema combinado de três drogas, a sobrevida das pessoas vivendo com HIV/Aids sofreu uma melhora significativa. Ou
seja, muita gente nasceu de novo!
Beleza! “Demorô”! Concordei com tudo, contei piadas e fiz gracinha, dizendo até que estava adorando tudo aquilo.
— Se precisar, tomo até chá de asa de morcego. Tudo bem, tô dentro!
Saí rebolando, toda sorridente, mas quando Edson me deu uma sacolinha entupida de remédios, abri o berreiro. Quase desmaiei de tanto chorar!
As lágrimas de cebola escorriam pelo rosto. Não queria, e pronto!
— O que aconteceu? Seja forte, a gente está aqui – dizia.
— Ohhhh, estou “frita”!
— Logo você se acostuma — consolava-me.— Lembre-se: o remédio é seu aliado!
Tomar o coquetel, para mim, significava estar doente. Só que, após cinco anos de tratamento, eu aprendi que tomar o coquetel significa ajudar o meu organismo a criar defesa. Se hoje estou aqui, bela e formosa, é porque compreendi o tratamento, acreditei nele e aderi a ele.
Reforcei as minhas terapias com a Dra. Miriam Palhares, depois com Denise, Nestor e tantos outros da Saúde Mental de Ubatuba, que sempre me acolheu com muito carinho. Dra. Josiane Brunácio, que disse uma coisa da qual nunca vou me esquecer: “Veja o coquetel como um amigo que está do seu lado. É como se fossem soldadinhos em defesa do seu organismo.”
Eu olhava para ele... e ele para mim. Era uma relação de amor e ódio.
Precisava dele para viver, e o jeito era encarar a fera. Eu tomava e chorava.
Chorava, mas tomava: “Me deixa, tô tendo um ‘barato legal’!” — revirava os olhos, com febre alta e vômito. Estava um pó de mico!
No começo, queria “chutar o balde”, mas lembrei que algum tempo atrás muitos não tiveram a mesma oportunidade que eu estava tendo: coquetel, exames de CD4, carga viral... e não poderia me dar ao luxo de ter ataques de frescura. O negócio era cair matando: “Então, ‘vem quente que eu tô fervendo’!”
Passa a morte que eu tô forte! São Braz! Vai-te de ré! Sai desânimo, que este corpo não te pertence! Anarriê!” Não foi fácil, mas fui persistente. Tinha que ser. A verdade era nua e crua: não existe ainda um arsenal de remédios para que a gente escolha em cardápio...
Não são lights, como um peito de peru. Não têm sabor de baunilha ou framboesa... Não rejuvenescem. Não estimulam a libido. Não deixam a barriga um “tanquinho”, não endurecem os seios, nem empinam a bunda... Ou seja, não deixam a gente gostosona... Então, que vantagem Maria leva? Ruim com eles, pior sem eles! Tem gente que não sente NADA. É muito relativo. Muitas vezes, o “bichão” não é tão feio quanto pintam. Que eu saiba, nunca ninguém morreu em decorrência dos efeitos colaterais dos remédios, e eu também sobrevivi.
Depois de dez dias, surpresa: estava dominando o pedaço! Tomava o coquetel como se fosse um aperitivo: antes do almoço para abrir o apetite, à tarde para acelerar a adrenalina e à noite para forrar o estômago. Brincadeira!
Pendurei na geladeira uma tabela enorme, com o nome de cada remédio e o seu respectivo horário. Com o tempo decorei, numa boa, e o meu organismo se acostumou rapidamente. É só uma questão de boa vontade e determinação.
Converse com o seu médico e tente achar uma estratégia que combine com a sua rotina de vida. O que eu tomava à tardezinha era o “mais mala”, então mudamos o horário para antes de dormir. Tem medicamentos que precisam ser tomados com alimentos e outros, não. Ligue-se nos detalhes!
O melhor esquema terapêutico é aquele que está dando certo para você. E em time que está ganhando não se mexe...
Passei a beber bastante água e a comer frutas e verduras. Só não consegui praticar exercícios físicos. O grande motivo: preguiça!
Você pode ajudar, e muito, a fortalecer a sua defesa imunológica. Acho que manter a cabeça “fresca”, mas com responsabilidade, auxilia bastante.

 

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