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                         Cheiro de traição

Eu tava louca pra fazer as pazes com aquele boçal.Coloquei um shorts do tamanho da palma da minha mão e um sonzinho afrodisíaco para deixar um clima romântico e “acasalador”. Assobiei e veio correndo.Acho que já estava morto de saudades porque não precisei chamar duas vezes.Sentamos no degrauzinho do meu quintal e pedi que escrevesse uma carta para mim.
- Por favor, é para o meu namorado.
- O palhaço que você conheceu no carnaval?
- O próprio.Escreve ai: “Excelentíssimo senhor, ficaria muito honrada se me desse o prazer”...- e o “burrico” obedecia fielmente como um escrivão puxa saco.- “ Se me desse o prazer de um grande e saboroso beijo...na boca”.
Puxei seu pescoço com tudo e lhe preguei os lábios nos meus; apertou o meu corpo forte e quase fizemos amor ali mesmo.Rolamos no chão, mortos de vergonha.
 
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A noite caímos na sua cama com um pedaço de pizza nas bocas.Estávamos namorando.Será? Não me faça pergunta difícil.Contou um milhão de novelas esquizofrênicas e eu escutava como se fosse tudo verdade.Encostei seu rostinho no meu e lhe salpiquei de beijos na boca. Quase morreu de timidez .Depois deslizei a mão na sua barriga e subi devagarzinho até o peito, dando uma voltinha pelo umbigo.Só ele discursava...e eu assanhava.De repente virou-se de costas,  com os olhos  vermelhos como duas lunetas inflamadas :
- O que você está sentindo, hein? Diz pra mim...- sorri.
- Cócegas.Nossa, que vontade de rir.
Mas vi que estava estranho.Disfarçou e foi até o banheiro.Voltou sem graça.Transpirava feito um porco lindo; um porco cabeludo.
- Isso não é cócegas.É um perereco. É normal na sua idade. A gente nasce pra ser feliz; pra sentir  “pererecos”. Faz bem pra saúde. Ressuscita até defunto...
Ele enfiou a cara no travesseiro, rindo abafado.
- Fábio, você precisa sentir carinho e fazer carinho também...Sem aquela força bruta feito um brucutu.Tem que ser gentil.Alguém já te massageou os cabelos, assim, ó...
- Já.
- Não vai me falar que é aquela lambisgóia seca...
- Não.É o barbeiro.- sussurrou, sério.
Ai, caramba! Mereço.Respirei fundo.De  novo, vai:
- Fábio, alguém já te passou a mão assim nas costas...Desse jeitinho com suavidade.
- Não. Eu não tenho problema na coluna e nem bico de papagaio. Ainda bem.Dizem que é horrível.O seu pai tem? Sua avó? Seu tio? Quem?
- Sua bunda! – xinguei- Ai, desculpa mas você é fraco de papo, viu.
Ai, Zeca Pimenteira! Secou tudo, né?Ele sorriu sem graça e me deu um "time" , indo  até o banheiro de novo.Ligou o chuveiro por quase uma hora.Falava com ele e nada.Nem respondia.Era só o barulho da água escorrendo pelo ralo  junto com  minha esperança. Fiquei com tanta raiva que bati a porta indo embora.Bola murcha!
 

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Era quase três horas da tarde, em pleno sol de quinhentos graus e o cafona dormia embaixo de dos cobertores.Arreganhei a janela  do seu quarto com tudo.
- Vem logo, meu filho.A gente tem uma entrega no Brás.
- Nem morto.
- Ah, vai. Morto mesmo! Você é o nosso motorista preferido, Fabinho. Eu dependo desta entrega para sobreviver.Ainda não sou a proprietária da firma...PEGA LEVE! Facilita, vai.Por mim; pelo amor dos nossos filhos...Eu te pago um picolé.Dois.Um saco DELES.
Eu queria que ele voltasse a ter responsabilidade no serviço.
- Tem o Manollo.Ele é o motorista oficial.Eu sou o escravo.
- Você só pode estar louco, né? Você é o único que entende de estopa; sabe tudo.Conhece o preço, o peso e a qualidade só pelo cheiro e sabor.É o Rei da Estopa.
Ele deu uma risadinha marota.Pronto.Tava no papo.
- Tenho que tomar um banho.Passa á noite.
Virou-se de bunda para mim.Arregacei os dedos , grudando em suas entranhas e colocando o seu corpo flácido em pé.Peguei o seu tênis no armário.Ajoelhei-me na sua frente e ajeitei o seu cabelo com gel.Ajudei a escovar os dentes.
- Agora sorri pra titia...Bom menino!
E assim mostrou um palmo de língua pra fora.Subimos no  caminhão  velho de guerra, saindo aos chocalhos.Eu estava triste porque havia passado no vestibular, mas não tinha dinheiro para pagar as mensalidades.Não quis lhe aborrecer com meus problemas.Eu me anulava completamente ao seu lado. Só ele tinha valor para mim.Os meus sonhos eram apenas sonhos, nada mais.


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Passávamos nas ruas da Mooca  na maior elegância e é claro que a sua namoradinha redondamente  enganada sabia do nosso romance embalado pelas estopas.Eu ia que ia toda perfumada, me achando a gostosona da Boleia! Inventei  um cliente do outro lado do mundo e o tonto já não reclamava mais.Quando se sentia cansado, dava um tempinho numa quebrada qualquer. Tirava a gaita do bolso e ficávamos nos olhando enquanto tocava para mim.
- Me dá um beijo, Fábio.
- Precisa ter respeito no serviço.Mais responsabilidade, moça!
- Tocar gaita pode, né?
- Desde que seja com disciplina, nos quinze minutos de lanche.
Ai, que porre! Nisso sentei a bolsa na sua cara.Bati a porta neurótica e foi atrás de mim:
- Silmara, você é minha funcionária.Obedece, vai.Onde é este bendito cliente?
- Esqueci.Vai embora patrãozinho. Estou de folga agora.
Era um bundão. Não queria nada comigo e eu ali implorando.Trabalhava quase de graça para o seu pai mercenário e ele não colaborava em nada.Só me dava dura!
- Chega, meu filho.Eu não tenho um ovo em casa e fico aqui perdendo o meu tempo com um lordy feito você.Tenho raiva de você, idiota! Fica com a sua namorada mais idiota ainda no reino dos cornos mansos.Vai embora, xô.Depois de voltou da Clínica ficou mais bobo ainda.
Sai andando sem olhar para trás com a minha bolsa de cinco quilos.De repente senti uma coisa diferente...uma coisinha tipo sopa de letrinhas escorrer pela perna...Ai, meu Deus.Havia ficado menstruada no meio da avenida e o pior, no meio da nossa briga maquiavélia.E agora? Ele ficou só observando a minha calça azul turquesa  mudar de cor para rosa choque diante dos seus olhos.
- Fabio, esquece o que eu disse.Volta aqui.Não me deixa.Piedade! Eu não tenho nada contra você.Vamos embora.Eu sou a idiota desta história.Eu, mais ninguém!- choraminguei morta de vergonha- Perdoa?
Nisso ele sorriu daquele jeito que só ele sabia sorrir.Colocou o cigarro no canto da boca e me pegou no colo num abraço forte e fraternal, como se fosse um fardo de retalho.
- Tá tudo  bem, sua mijona.- brincou-
Começou a assobiar, ajeito um forro improvisado no banco do caminhão e  me colocou ali sentadinha.Ligou o som alto.
- Fica de boa.Não faça esforço! Não fala nada.Quieta.Sua voz irrita.
Eu não abria a boca.Cantarolava junto com a música todo onipotente.Quase estacionou o caminhão dentro da minha sala.Deu a volta por trás, ajeitou novamente o cigarro  no outro canto e me tirou dali com aquele jeitão de homem macho.Foi me carregando até o sofá como um “mucamo”   e jogou-me ali, indo embora.

 

Ah, como não amar um tipo desse? Saudades imensas! Você conseguia se superar nos momentos mais esquizofrênicos, meu louco preferido!

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Comecei a me envolver com um outro rapaz.Quem? Alguém que sabia falar como qualquer pessoa normal e eu estava novamente encantada.O outro me fez uma proposta indecorosa e eu tremi de medo de mim mesma.E para não ceder aos instintos femininos entrei pelo seu quarto a fora, esbaforindo de susto:
- Aonde você estava, Silmara?
- Aqui com você, Fábio...- deitei em seu peito.
- Mas eu não te vi.
- Então você não sonhou.
- Você ta cheirando a traição.
- Então transforme esse cheiro em perfume.
Vivia me vigiando com os olhos furiosos.Parecia um espião terrorista querendo me bombardear no momento certo.Começou a me sacudir:
- Quem é ele?
- Fábio, não me deixa.Eu sou mulher.Não sou sua irmã.Paraaaaa! Eu não sei até quando vou aceitar essa sua história repleta de incesto.
- É para o nosso próprio bem.
-O quê?? Você me comer com os olhos e transar com ela? Eu te desejar para mim para ser o meu marido, e namorar com outro? Nos poupe disso!Eu vou ficar com o primeiro que me dê colo.Depois você vai chorar as pitangas pro nosso papaizinho, já que somos apenas irmãos, ta?
Silêncio.- Ele é bonito.Muito bonito e quis me beijar.Ele é homem e logo vai me querer  pra transar.
Fábio me bateu na boca.

- Aiii, você me machuca!
- Perão! - suspirou - Ele é descente?
- Você ta me dando de bandeja pra outro só porque colocou na sua cabecinha de berinjela que somos irmãos?! Covarde!
- O que ele fez com você??!! O quê?
- O que você não faz! Você quer que eu fique com ele e com todos os outros que estão por vir na minha adolescência longa e duradoura, maninho querido?
Puxou o meu corpo para o seu.Rasgou a minha blusa.O sholtien de rendas brancas estava ofegante.Beijou o meu pescoço.Suspirou na minha nuca;
- Eu quero você pra mim.
E nos tocamos devagarzinho.

“No silêncio dos nossos lábios costuramos   beijos” – Silmara Retti


 

 

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