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                                  Os cafonetes!

Sou muito risonha e costumo soltar aquelas gargalhadas de rachar o teto.
Se está sol, tudo bem; se está chovendo, está bem também! Não sou acomodada, mas procuro viver feliz. Posso sentir tristeza, raiva, angústia... Mas não fico me deliciando com esses sentimentos. Tento superar o mais rápido possível, fazendo alguma coisa para extravasar ou manter o equilíbrio. Pensamentos de generosidade constituem uma terapia. Gestos de carinho, como abraços e beijocas, são um santo remédio, assim como doar energia positiva e palavras de conforto.
Ofereça às pessoas momentos agradáveis ao seu lado. Torne o ambiente ao seu redor harmônico. Contribua para que a paz permaneça com você, para que ela seja compartilhada com os seus! Isso se chama “felicidade”. É a própria saúde, revigorando a sua mente
  e o seu corpo. Os anti-retrovirais são remédios para o equilíbrio do corpo...
O equilíbrio da mente é com você! Não se anule. Não se transforme numa “titiquinha” de nada. Você é corajoso, forte, destemido! É alguém que merece tudo de bom: amigos, família, comida gostosa, pipoca, sorvete de chocolate, mergulho no mar, beijo na boca, grana, saúde, prosperidade... Mas, se sentir vontade de sumir do mapa, lembre-se de que ao seu lado sempre
tem uma “pessoinha” que quer vê-lo bem; ou sua companheira, filha, irmã, amiga e que o ama de todo o coração. Lute por você... e por ela!
Quando ia trabalhar, levava o comprimido dentro da bolsa, num frasco, e tomava com leite. Sem estresse! Nunca ninguém me perguntou nada, mas para os chegados eu dizia: “Conhece esta persona? Faz parte do coquetel.
Quer um?”. Uns queriam ver de perto. Outros queriam cheirar. Tudo bem.
Achava “legal” as pessoas ficarem cara a cara com seus mitos.
— Que sem graça! Então, este é o terror da molecada... Quantos você toma?
— Três.
— Só!?
— Trinta e três! — inventava, para “abalar”. — Aliás, cento e três!
— Aiaiai! É uma farmácia ambulante, hein! — batiam no meu ombro.
 Pior é quando fazem charme de intelectual acadêmico, mandando aquela BOMBA: “Às vezes, o aidético demora a perecer...”. Dá vontade
  de responder: “Em compensação, você já pereceu de velho, Maomé!”. O termo “aidético” é supercafona. Antigamente, era muito usado, mas hoje vale como um atestado de breguice! Se você é desses que fala “AIDÉTICO” com todas as letras, como se fosse um doutorzinho graduado, disfarce, saia de cena e vá ler um pouco! Não se diz hepatético, cancerético... aidético, entendeu?
Atualmente se diz “portador do vírus”, “soropositivo” ou “pessoas que convivem com HIV/Aids”. A discrição também é válida para todas as doenças. Não fica bem perguntar sobre a vida íntima das pessoas. Se vocês tiverem intimidade, ela mesma conta; caso contrário, é porque não “rolou”. É muito feio chegar do nada, com jeito de “amigo-da-onça”, já oferecendo
  aquele “abraço de urso”: “Um passarinho verde já me contou: você tem Aids,
né, danado?”. Ou então, dando um sorriso maroto: “Então, o bichinho do ‘ranran’ pegou você, hein!”.O importante é ter “SEMANCOL”
Ninguém tem o direito de fazer comentários comprometedores sobre os outros. Preste atenção nisto: “Está vendo aquela ali, de blusa verde? Tem o ‘bichinho da goiaba’!”. Querido, isso dá processo! Então, situe-se! Não vá sair por aí dando uma de repórter da “Imprensa Marrom”! Cuidado, pode sobrar para você! Por falar nisso, não sabia o momento certo de contar à minha família. Não pense que é “legal” esconder dos próprios pais. É um sufoco! Parece que
você matou a sogra e escondeu o corpo embaixo da cama. Fica um cheiro estranho no ar. Eu preferi falar aos poucos: “Tenho uma doença que ataca a resistência do organismo... Não é uma gripinha boba. É SÉRIO. Faço tratamento pra isso”. Ninguém “dava muita bola”. Eu pensava comigo: “Deixa estar! A batata está assando... Depois, não me venham com choromelas!”
Ninguém percebia, mudando logo de assunto. Também não deveria ser
  dessa maneira. Como disse antes, a verdade é soberana. Então, comecei a me informar melhor. Dentro da atual realidade, entre um comercial e outro, fui passando algumas informações sérias: “A Aids é considerada uma doença crônica, mas ainda mata, por vários motivos, como diagnóstico tardio, abandono do tratamento, falência dos anti-retrovirais, falta de adesão...”,
Precisava “jogar a semente” aos poucos. Não queria causar nenhuma tragédia, jogando na cara de cada um o monstro que eles temiam, sem ao menos conhecer. Já imaginava a minha mãe desmaiada, o meu pai com dores no peito e os meus três filhos perdidos no vício e no crime, por conta disso:
— Por que você passou a tomar cachaça, garoto?
— Porque fiquei revoltado. Minha mãe tem HIV.
— Por que você trancou a “prô” dentro do armário da escola, menininho?
— Porque sou rebelde. Mamãe tem um “bichinho esquisito”!
Com o passar do tempo, já conversávamos sobre isso, e eles se interessavam em saber cada vez mais. A minha própria mãe dizia que a Aids era uma doença como as outras, e que os pacientes necessitavam de cuidados especiais e de carinho! Já com minhas colegas, o papo era aberto: “Acabei de tomar o meu remédio... Que droga de Aids!” – dizia.
É uma delícia poder falar da própria doença, sem tabus. Repetir várias
vezes “eu tenho HIV” me dava uma sensação de liberdade. Às vezes, elas  reclamavam:
— Estou com uma dor de cabeça!
— E eu, que estou com um HIV daqueles! – eu dizia, para não ficar fora
da conversa. Precisava participar do assunto.
Acho que ter com quem conversar abertamente é muito saudável. Você não se sente uma criminosa. E criminosa por que, se não fiz nada de errado? Apenas transei sem camisinha, acreditando que comigo seria diferente .Para ter sucesso no tratamento, é essencial livrar-se de todas as culpas de cartório. Ficar com cara de “Madalena Arrependida” é uma porta aberta para
    a depressão. Bobeira!
Se você tem HIV, pressão alta, diabetes, primeiramente, aceite-se, e o mundo irá aceitá-lo também. E, se não aceitar, problema dele! Não carregue esse preconceito com você! Faz mal. É destrutivo. A informação séria é a sua aliada. Leia e se informe! Coisas boas andam acontecendo.
Estar com HIV não tem nada a ver com se prostrar, feito um “Zé Bobo”, exigindo apenas vale-gás, vale-ar, vale-chuva... Vale a pena correr atrás dos seus objetivos. Tenha sonhos e projetos! Pense grande! Nada conseguirá impedi-lo de crescer. Sua mente é o sargento do seu corpo. Ele reflete aquilo em que você acredita. Confie em si mesmo! Ande de cabeça erguida e
peito aberto! Trabalhe, sempre que for possível! Produza algo, mesmo que seja apenas esperança! Sentimentos bons lavam a alma.
É assim que construímos defesas. Contemple as coisas simples da vida!
É lindo! A natureza é perfeita, o amor é poderoso, e você é muito mais! Não se abandone! Cuide do seu corpo e tenha vaidade! Faça chapinha, permanente, pinte as unhas, compre uma roupa nova, coloque dentadura... Faz bem estar bem. Com muita risada, é claro. Conte piada e passe adiante! O bom humor revigora a pele e ajuda a rejuvenescer. Uma pessoa de “trombeta” só atrai coisas negativas e, além disso, torna-se um “porre”.
Depois que soube da minha “doença”, algo mudou dentro de mim. Acredito que cresci como ser humano! Passei a ver o mundo com outros olhos,  amadureci algumas idéias. Abraço e beijo as pessoas, demonstrando carinho.
Procuro distribuir forças, oferecendo tudo o que tenho de melhor. Não deixo acumular energia. Hoje, o meu dia é mais completo, porque busco os prazeres da vida: leio um livro “legal”, canto no chuveiro, viajo, trabalho, escrevo, assisto a um bom filme, danço no meu quarto, abraço, beijo, amo. Procuro fazer as coisas de que gosto, e que possam acrescentar algo de  positivo em mim.
Eu tinha alguns nós na minha vida, e o dia do meu aniversário era um deles. Ficava “fula”, porque quase ninguém sabia. Então, esfarelava-me de tanto chorar, dando uma de vítima. Amarrava uma trombeta, remoendo-me de raiva. Mas eu MUDEI. Saí da situação de coitada. Uma semana antes do dito cujo, chegava ao meu serviço anunciando, para cada um que aparecesse: “Dia 10 de novembro é o meu aniversário. Passa isso adiante!”. Avisava o açougueiro, o dono da banca de jornal, o padeiro... Todo mundo levava na esportiva, e foi virando uma corrente. O tão desprezado dia 10 transformou-se numa festa muito divertida! Nunca fui tão lembrada! Até o dono da banca me mandou um bombom... Muito “bacana”, mesmo! Precisamos tomar iniciativas em nosso favor. Papel de vítima não dá mais audiência. Palavras negativas, rua! Pensamentos ruins, fora! Preguiça, desânimo, cara de ovo frito... XÔ, XÔ! Preocupe-se com coisas boas! Faça um artesanato “legal”! Coloque a cabeça para trabalhar! Energia parada não vai a lugar nenhum.
Não precisa viver cada dia como se fosse o último. Seria hilário! Já pensou:
você correndo pelado pela praia, querendo transar com todo mundo que sempre quis? Viva naturalmente, sem afobação! Porque, se de repente não for o derradeiro dia de sua vida, você não “paga o mico” de ser preso por atentado ao pudor. Então, vá com calma; deixe para amanhã o que não se pode fazer hoje!
O sucesso do tratamento é dividido em duas partes: a da Ciência e a sua.

 

Faça AMOR; não somente com o corpo, mas com todo o corpo! Fale sobre o AMOR, expresse seus sentimentos, abrace, beije... AME com intensidade e verdade! Eu deixei de lado a minha timidez, dizendo mais vezes para as pessoas que realmente curto: “Eu amo você! Você é muito importante para mim!”
 

No começo do ano de 2008, resolvi contar para minha mãe. Precisava aumentar a minha lista de cúmplices. Ela estava lavando louça, e saiu feito quiabo:
“Mãe, eu tenho HIV. É o vírus da Aids. Tenho há anos e continuo a mesma.”Pensei que ela fosse cair dura, embaixo da pia. Mas não. Continuou do mesmo jeito. Talvez estivesse em estado de choque:
— “Hello”, sou euzinha! A sua, sempre sua... — brinquei.
— Eu já desconfiava.
Pedi que sentasse do meu lado, e conversamos muito. Não estava tirando um “piano” da minha cabeça; estava tirando a “orquestra” toda! Foi uma delícia! É lógico que ela não soltou uma gargalhada, comentando: “Ah, que linda! Era tudo o que eu mais queria nesta vida!”Tornamo-nos mais amigas.Com ela, posso ser eu mesma, com direito a risadas e choro. Com direito a
resmungar sobre minha “doença”, como qualquer paciente comum. Ser uma pessoa normal e assumir suas verdades. Esse é o grande segredo da coisa! Não estou dizendo para você sair trepado numa carreta de caminhão, anunciando a “boa-nova”. Cada um tem o seu tempo, mas é
muito ruim viver disfarçado de Tompsom Gloss Plus, sem cara e sem corpo.
Como um fantasma ridículo que vaga sem corpo. Quem o matou? O seu próprio preconceito.
Tenho filhos adolescentes e resolvi conversar com o mais velho sobre a verdade das verdades. Estava passando da hora. Com o incentivo da equipe, pus a “boca no trombone”. Chamei Raphael no quarto e comecei do começo:
— Eu preciso te contar uma coisa: sabe aquela doença sem nome que eu
digo sempre que tenho? É Aids, meu filho.
Depois, complementei, contando toda a história, desde o começo. Ele suspirou: “Me dá um abraço!” — pediu.
Disse que me amava e que sentia orgulho de mim. É muito bom ter filhos amigos, cúmplices e solidários. Depois, eu disse a ele: “A verdade nos liberta de todas as prisões, até mesmo a do próprio preconceito. É muito importante para mim que você aprenda a amar as pessoas por inteiro, como elas realmente são. Pessoas choram, sorriem, têm saúde, doenças, medos, culpas, verdades, mentiras... São boas e às vezes nem tanto! São o que são, e merecem respeito por isso!”
Eu não gosto de dizer que sou “HIV positivo”, ou que sou “portadora do vírus HIV”. Parece coisa do “ET de Varginha”! “Que mico”! É como se eu fosse abduzida por um alienígena, e ele botasse dentro de mim um vírus estranho, transformando-me em “A portadora”. É como se, em todos os cinemas, fosse passar: “A fúria da portadora”, ou “O regresso da portadora, parte final!” Depois, contei para o André, meu outro filho, e senti um alívio dentro de mim. Ele estava no computador, e quase caiu para trás:
— E aí, o que me diz?
— Você tá super bem!
Conversamos muito sobre o assunto. E assim passamos a viver em harmonia, com os pés no chão, sem meias verdades:
— E o meu irmãozinho, mãe?
— Deus protege as criancinhas! Ele não tem nada; João Pedro não foi contaminado.

 

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