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                                                Erva Daninha

​Eu era moça bonita e cobiçada por muitos, principalmente porque fazia charme e não ficava com ninguém. Era pura ensebação para lhe causar ciúmes.E ele ficava louco! Fábio morreu sem saber que foi o único na minha vida. Eu inventava tantos namorados que ele perdia a conta do nome de cada um. Você, meu amigo leitor, perceberá que nunca fiquei com outro e era tudo balela para não ficar submissa aquela paixão  que me acorrentava aos seus pés com o fanatismo de uma devota.
- Esta esquizofrenia que você tem é um amuleto pra sua preguiça. Será que não te dói o coração ver a sua família desesperada atrás de psicólogo, remédio, clínica, iogurte , chocolate, comidinha gostosa...Você quer tudo do bom e do melhor, e manipula todo mundo com essa piração fajuta!Pra mim você é um filhinho de papai cheio dos   truques.Percebeu?
- E você percebeu com que audácia fala da minha doença?
- Você não vai me levar junto nessa, ta ouvindo? O que você quer? Fundar o SOS Bololó?Ai, que peninha do Fabinho! Aposto que você não tem esquizofrenia coisa nenhuma. Pra ficar com a outra de esfregão, pode, né? Boba sou eu, meu filho, mas a minha vingança vem a galope...Eu sou de escorpião: traiçoeira feito Judas!
Será que eu falava da boca pra dentro ou da boca pra fora? Não sei. Acho que tinha raiva porque me trocava por qualquer outra.
- Fábio, eu juro que vou te passar por cima como um trator desgovernado. Não me subestima, garoto.
Ele soltou uma gargalhada sinistra.Ah, é?  Eu procurei aquele unzinho do Pavilhão Nove do Carandirú que havia sido meu pretendente e joguei um aplique com jeitinho meio sonso:
- Eu não entendo porque o Fábio fica espalhando por aí que te paparam na cadeia...É muita falta de respeito.Disse até que você ficou noivo lá dentro e só não engravidou porque tomava pílula.Olha que petulante!
Nossa, não precisou de mais uma virgula. O cara virou uma fera e até engasgou de raiva.Foi até a porta da fábrica gritando o seu nome feito louco.Quando ele saiu para ver quem era, o outro lhe degolou vivo!

Partiu pra cima do Fábio com unhas e dentes:
- Seu filho da P. Eu vou te descascar inteiro! A Silmara me contou tudo.Fica metendo o pau em mim pelas costas!
- Eu não falei nada. É mentira dessa menina.- tremia como taquara.
Eu estava sentada no muro  com meu gato no colo:
- Falou, sim.Fábio, assume.É muito feio ficar falando dos outros ...Sacanagem.Você espalhou pra todo mundo.
Foi levantado pela garganta e a galera fez um círculo, aplaudindo em ritmo de capoeira.
- Deixa quieto.- pedi- Perdoa esse pobre ignorante.É só atraso de vida! Solta ele, vai.É um Zé Ruela!
Foi atirado ao chão e pisoteado com gosto! Depois virou a cara pra mim e ficou um século sem falar comigo. Mudava até de calçada ao me ver .Mandei-lhe de presente um saco de biscoito com um bilhete: ‘ Eu salvei a sua vida.Pense nisso.’

“Sou uma prostituta, pior que  Bete. A mais podre e venenosa de todas.Tornei-me sua inimiga n.1.Tenho um monstro alojado dentro de mim.Sou uma obscena  .Me ajuda, meu Deus! Eu preciso parar com essa guerra idiota”.

Eu não conseguia retomar o foco e fui me corrompendo cada vez mais principalmente quando via Fábio com todas as rameiras da Mooca, sendo que não conseguia assumir para ele o meu lado mulher. Tinha medo de ser mais uma; de ser como o Zé Povinho dizia que eu era: filha da boa mãe! Tenho certeza que me desejava porque suava frio quando nos tocávamos e fervia por dentro quando me recusava, dizendo que era apenas a sua irmã caçula e que não podia me fazer mal.Mas, com certeza, me faria todo o bem do mundo!
Voei  de carro com um colega do colégio a milhão por hora. Ajeitei o penteado no retrovisor e  passei um batom vermelho.Ao lhe ver sentado na porta da fábrica  acenei  enlouquecida:
- Psiu! Psiu!Estou aprendendo a dirigir.Quer uma carona?
Pedi para o motorista fazer o contorno várias vezes , apenas para que  me visse ao lado de um outro homem.A noite ele desenterrou do fundo do armazém de estopa uma moto 750, linda! Passou na casa da outra e só vi a sua bunda de laranja podre  virar a esquina no maior gás, com uma “sainha” do tamanho de uma unha.Assim era golpe baixo! Nem dormi. Sentei na calçada e fiquei mexendo na água que escorria na sarjeta.Tava estérica! Tava sem chão...Queria paz!

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Sentamos na grama do clube chupando suquinho de groselha. Ele dizia que os remédios estavam lhe fazendo mal.
- Pára com tudo.Você precisa aprender a se controlar.Nenhum histerismo  pode com você, grande Fábio Retti!
- Sério???!
Jogou todas as cartelas no vaso sanitário.Foi o recomeço do fim porque passou a ter novas crises e o seu cérebro foi ficando seqüelado.
Ficamos dois meses separados.Minha formatura tava chegando e ele era o meu padrinho oficial, pois havia me ajudado a estudar e a fazer todos os trabalhos escolares. Mandei vários recados e nada...O meu vestido já estava pronto e não tinha ninguém que o substituísse a altura.Poucas horas antes do baile finalmente me recebeu no seu sarcófago secreto.
- Fábio, você é o melhor professor particular que uma pessoa pode ter. Graças a sua dedicação consegui boas notas em física e matemática.Nota dez pra você! Hoje vai ser a minha formatura no Juventus e você  é o meu padrinho.Você se lembra?
- Não, não sou padrinho de ninguém.
- Fábio, me permite essa honra? Por favor?
Pedi humildemente com muito medo de pagar aquele “micão”.
- Não posso sair de casa.Meu pai não deixa.
Xiii, já vi tudo! Tava ficando esquisito novamente.
- Tá certo.Mesmo assim dedico minha formatura a você.Valeu!
Subi a viela em prantos e minhas lágrimas se misturavam com a água da chuva .Debaixo daquela tempestade louca sentei-me na calçada toda molhada.Não aceitei que ninguém fosse o meu padrinho e fiquei sozinha num canto do salão enquanto a orquestra  tocava nossas músicas preferidas. Fábio, pra você!

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Não queria falar mais comigo e com ninguém.Havia parado de tomar os remédios e estava em surto.Então conheci um rapaz lindo e começamos a namorar.Ele tinha um caminhão e ficávamos dentro da sua boléia no maior papo do mundo.Que delícia conversar com alguém que tinha assunto.Só não tinha beijo na boca.Por que? Porque lhe disse que precisava de um tempo para poder me soltar!
Naquela noite nos despedimos com um abraço mais forte e enquanto ele manobrava o caminhão percebi que o Fábio estava nos observando atrás do poste da fábrica.A chuva era forte e o meu coração disparou ao lhe ver.O céu estava escuro e tinha medo que me abandonasse para sempre.Roíamos unha em silêncio.
- Fábio, por que não me procurou mais?
- Você ta com outro.
- Verdade, mas nenhum outro é melhor que você.
Abaixamos os olhos.Não tínhamos assunto.Então virei ás costas e sai andando pra minha casa.Nisso correu me derrubando no chão:
- Você é louca de ficar com aquele paspalho? Eu sou o seu namorado.O seu marido! O seu homem!
- Sou louca por você, seu louco!
E nos beijamos rolando na sarjeta.

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Eu precisava terminar com o gostosão da boléia e não sabia como.Segurou as minhas mãos tentando colocar a língua na minha boca  e lhe mordi com tudo.
Foi uma gritaria danada! Justo nesta cena o meu querido apareceu e até tentei lhe explicar o ocorrido, mas não entendeu nada.Fui atrás dele e fechou o portão na minha fuça.Meti o pé no cadeado.
- Vim almoçar na sua casa, amor.
Abri a geladeira na maior intimidade procurando alguma coisa gostosa pra beliscar.
- Frita hambúrguer pra mim...Quero com suco de laranja.
Vestiu o avental, mudo.Colocou a toalha xadrez, bufando.
- Tem bolo? – pedi.
Escancarou a porta do microondas e tirou uma fatia dura pelo tempo.
- Mais alguma coisa, patroa?- me remedou.
Não respondi.Mostrou a porta de saída.Caminhei lentamente sem olhar para trás e num golpe certeiro lhe taquei um beijo na boca.
- Obrigada.Tava tudo uma delícia! Volto amanhã - sorri.
-Vai embora.Você me faz mal, erva daninha!
O tempo foi passando e ele estava cada vez pior.Fiz de tudo para lhe chamar a atenção e enfaixei uma das pernas, perambulando de lá pra cá com uma bengala de madeira.Cantava alto e falava com os postes.Estava pirando junto com ele!

 

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Minhas amigas Valéria e Vera Salton iam prestar vestibular e me convidaram para ir junto para valer como experiência.Só que no dia do resultado o meu nome tava lá na lista dos aprovados e havia sido classificada no curso de psicologia da F.M.U.Quase enfartei! Vivaaaa !
Fábio foi a primeira pessoa que fiz questão de dar a boa nova.Nem se mexeu.Eu não estava acreditando na sua cara de bunda.
- Vou estudar na classe do filho do Roberto Carlos, sabia?Adoro ele. Adoro Lady Laura!Agora somos carne e unha.
- Como assim?
-É, então.”Robert” e eu somos íntimos, baby.Verdade, o filho dele está na minha turma!
Pronto.Foi tudo para que caísse de cama.A Rose me contou que Fábio havia dito que eu estava de namoro com o filho do Rei.Seria cômico se não fosse trágico.
- Não quero saber daquela traidora.Que seja muito feliz!
Chorei mil pitangas.Queria ouvir da sua própria boca “detalhes tão pequenos de nós dois”...Estava sentado num tronco de árvore e me agachei aos seus pés enquanto fumava.
- Acabou tudo, então? – perguntei.- Diga na minha cara o que você espalhou por aí...Fala!
Começou a assobiar uma música do Roberto Carlos.
- Agora você precisa ter mais tempo para cuidar do novo LP do sogrão.
- Verdade.A gente vai gravar junto.Ele no vocal e eu na buzina.
Nisso ele tragou, rindo.
- Fala na minha cara que não sou mais a sua amiga favorita...
Sorrimos.Tentou me enforcar, brincando.
- Você é a minha inimiga favorita.
E nos beijamos na boca.

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Logo cedo um funcionário da fábrica bateu palma na minha casa dizendo que o Fábio havia quebrado a perna num treino no clube do Juventus.
Estava me esperando na sua casa e fui voando lhe visitar.
- Amputaram a minha perna, Silmara.Agora além de louco sou perneta!
Que exagero! Tava um caco.Fazia tanto charme que dava dó.
- Não vou mais andar, nunca mais.O médico disse que tenho pouca chance...de vida.Fica comigo? Dorme aqui? Por caridade!
Ficamos de molho a semana toda e eu dava sopinha na sua boca como se fosse a sua namorada oficial.Mas não era.Nunca fui!
- Chama a perninha de avestruz para te consolar...
- Você é minha enfermeirinha, minha filha.Esta é a sua sina.
Combinamos de ir pular carnaval escondido pra outra não saber.Menti para os meus pais que iria só com a Rose.Coloquei um banquinho de madeira pra pular o seu muro e quando cheguei na sua casa já estava de pijama.Disse que não iria mais.O quêeee??!?
- Tenho medo que a outra descubra.Ela me mata!

- Você ta com medinho da outra, seu pústula??!!?! Verme!
Nisso lhe meti uma vassourada na outra perna. Enquanto ele gemia de dor, bati a porta na sua cara:
- Se você aparecer na minha frente quebro a outra perna, entendeu?Seu bosta.
- Vai dormir e esquece esse assunto. Amanhã a gente conversa.
O quê?!?! Tirei o casaco e rebolei na sua fuça, me abanando com um leque.
- Meu filho, vai dormir você. Depois te mando uma foto!Meia noite pra mim vai ser dia, meu bem! Você acha que estou usando esta roupa de vedete pra ir dormir em casa?!?!?
Enquanto ele gritava comigo, fui dormir chorando de raiva, mas para não dar o braço a torcer inventei que havia arrumado um namorado no baile de carnaval. Espalhei pra todo mundo que tinha conhecido um piratão super gato e que tinha me dado muito bem! Quase noivos. Aff, que raiva!

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Pronto, foi o suficiente para acabar tudo. O nosso carnaval foi uma piada.Ele passava o dia com a perna engessada , sentado numa cadeira de palha e infernizando toda a sua família.

“Abandone essa cadeira de palha, esse cigarro assassino e esta televisão hipnotizadora.Abandone este orgulho mesquinho, esta cara de bravo e este nó na garganta.Abra as portas e venha"...

 

Mas ele nunca veio. Não me lembro desta fase, mas aqui no meu diário eu conto que fiquei louca também, vagando pelas ruas a procura dele.Não falava coisa com coisa e urinava no colchão.
Eu juro que um dia lhe arrancaria até as suas calças.Era só esperar o momento certo.Ele me devolveria tostão por tostão.Osso por osso.Lágrima por lágrima.Eu o amava, mas exigia justiça.Ninguém brinca com os sentimentos de uma outra pessoa daquele jeito.Um dia se aprisionaria na minha coleira rastejando com quatro patas.

Estava sem emprego e me ofereci para trabalhar como vendedora de estopa.Eu acordava cedinho com uma bolsa matusquela debaixo do braço e rodava de mecânica em mecânica oferecendo o produto.Procurava ir nos lugares mais distantes para que depois pudéssemos fazer a entrega juntos.Como assim??!Quem viver verá.
 - Só que não tem salário.É uma experiência...Nem sei se vai dar certo...- negociava seu pai com a mão trancada  com cimento feito um Zé Munheca profissional.
Nem respondi.Só bufei! Queria e pronto. Acho que ele percebeu nos meus olhos o desespero em pessoa.Eu acordava com as galinhas carregando uma mini agenda debaixo do braço.Minha canelinha rachava ao meio saltitando de mecânica em mecânica como um ganso nas Olimpíadas.Procurava ir nos lugares mais absurdos só para podermos fazer a entrega no final do dia.Se fosse uma biboca escura, melhor ainda.
Naquela época ele ainda estava de namorico com aquela  “frangolina depenada” e eu me rachava ao meio de ciúmes.Só andavam de mãos dadas feito duas comadres enlouquecidas.Então eu me vingava bonito!
Fábio era o motorista oficial do caminhão e mesmo em crise existencial dirigia melhor que o Airton Senna( Heeeê, isto que é amor cego). Subimos na boléia sem assunto.Eu puxava a saia até o joelho para que pudesse observar uma brechinha na minha coxa de galinha seca, mas o sínico era todo compenetrado e continuava mudo.
- Aonde é a oficina, hein? Se a gente ficar rodando muito vai acabar a gasolina, Silmara.
- Sério?! O pior é que esqueci o endereço, bebê.- sorri- Entra naquela rua á direita e depois á esquerda...Aí você desce e sobe.
- O freguês é lá em cima?
- Não. Lá em cima é a padaria.Quero comprar um chicléts! 
- Mereço! A gente já passou por aqui trinta vezes.Falta muito?
- Pra chegar a fronteira? – eu ria sozinha das minhas piadas sem graça.
E roda daqui e dali, bravo.Irado, quase morto! Nisso aquela biboca travou e não ia nem pra frente e nem pra trás.Toca empurrar oitenta léguas sem fim.Ele só fungava.Gemia.Coçava-se todo.Tava até catingando de suor e não dizia uma palavra.Eu não saia do banco, toda embrulhada para viagem! O cliente deve estar esperando até hoje, porque ele fez uma gambiarra no motor e voltamos pra casa aos trancos e barrancos com toda a encomenda no baú.
- Não gostou de passear com a patroinha, motorista?
- Não enche o saco!Meu pai vai me matar amanhã.
Bateu a porta do caminhão, sacudiu o cabelo, limpou o rosto com uma flanelinha e foi diretamente pra casa...dela.Dela minha gente! Foi que nem um tarado e nem olhou para trás.Ainda bem, porque senão poderia ver as lágrimas que borraram toda a minha maquiagem.

- Maldito!



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